quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Adieu

Seu olhar era lânguido. Sua presença, quase imperceptível. Mas era assim que queria. Gostava da mágica possibilidade de ser invisível, e de poder olhar com os olhos de quem vê, e julgar com latente impiedade. Quando secamente se dirigia a alguém, sentia-se como a mais calculista das mulheres, que com uma única fitada domina um homem por tempo indeterminável.

Nunca esqueceria daquele, que friamente despedaçou seu coração e a fez desacreditar do amor, que pensava ter conhecido. Mas seria ele o real motivo de sua desistência da felicidade? Ou preferiu ela se agarrar à desilusão, para justificar o que já se encontrava nas entranhas e então poder gritar ao mundo sua desgraça? Não saberia dizer. Nem ao menos se indagava.

Olhava o crepúsculo. E ficaria eternamente ali, se não tardasse a anoitecer. Foi quando de repente seus olhares se cruzaram. Como a sombra encontra a escuridão. A busca para dentro de suas almas, caça e fuga concomitantes. O tempo já não se contava em segundos, como a areia da ampulheta que paralisa no ar. O espaço se resumiu a vácuo. E olhavam-se, como se nunca tivessem se visto. E como se a familiaridade daquele olhar nunca a tivesse deixado. E, súbito, seus olhos já não se voltavam mais para ela...

Partiu, e também o Sol. Eternamente.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"Mora saepe est remedium belli, O Romani!"

O caminho prevê o destino... Ultimamente tenho percebido o quanto o fascínio das relações baseia-se na profunda vontade de desvendar o outro. Conhecer alguém não se conclui em saber o seu nome, como muitas vezes pensamos. Conhecer, no sentido mais lindo da palavra é desmistificar um ser pedaço por pedaço. E por mais fascinante que seja tal jornada, ela nunca tem um fim, porque quando pensamos conhecer plenamente uma pessoa colocamos um ponto final no mais belo relacionamento. É a complexidade que nos excita, o mistério que incita, e a previsibilidade que derrota...

Então, de fato, conhecer totalmente alguém é impossível. E também, no fundo não importa... Mas tal processo, que constantemente traz a novidade é extremamente surpreendente. O novo encanta e hipnotiza. E aquele que consegue manter sempre um resquício de novidade se eterniza em nós. As primeiras impressões não podem ser revividas, mas podem ser reinventadas e o mistério, em sua medida é para sempre atrante. O facilmente desvendável não nos interessa. Morre.

Mas por que a auto-afirmação é assim freqüente, sendo o silêncio tão mais atraente? O que tentamos esconder ou negar, quando afirmamos o que somos? Se o que tentamos negar fosse melhor trabalhado por nós e chegasse a um ponto de equilíbrio entre o que se é e o que se quer ser, tais características talvez fossem muito mais admiráveis do que as que, em vão, tentamos convencer serem nossas por natureza... Por que pensamos que a máscara que vestimos é tão mais bela do que a essência pura que nos é? Talvez algum dia, alguém por não compreender, ao nos ridicularizar tenha adquirido o enorme poder de fazer com que tenhamos a vontade de nos esconder... Quando então será o momento de exterminar os muitos poderes que fizeram-nos ter vontade de fugir?

sábado, 17 de outubro de 2009

Passado Encoberto

Tudo me é, como se não fosse...

Quando paro para pensar no que se passou, tenho a sensação de que não lembro, mas vejo. Vejo o que a minha memória edita e altera.

Quando reviramos nossas caixas pretas, relembramos e redescobrimos coisas que não estavam mais nas lembranças, e quando pensamos no passado, às vezes é como se ele não tivesse existido. Como se não fosse nosso. Então o que existiu, será que existiu de fato? O que vivemos é real? Ou inventamos para satisfazer o singular momento presente? Singular sim. Porque para o agora, tudo é único, urgente, essencial... E a calma para saber que daqui a um tempo não será mais nada não nos é acessível. Mas quando o fervilhar das emoções se finda, e só o que resta é o vapor, não somos mais nós que julgamos o acontecido. É o eu modificado que agora se encontra aqui, e que não será o mesmo de daqui a dois segundos...